março 20, 2012

Nasce uma estrela


“Há mais coisas entre o céu e a terra, Horário, do que sonha a nossa vã filosofia.” Assim escreveu Shakespeare.
Assim escreveu ele sobre as coisas que não entendemos e ignoramos.  A história que irei contar é sobre a origem das estrelas. Uma em particular.
Era uma vez no reino do céu, onde vive o Deus, um anjo chamado Angela. Acho que deve saber que anjos não possuem sexo, mas esse anjo, podemos dizer, se apresentava numa forma feminina.
Em seu tempo de juventude,  gostava de implicar com outros anjos, sempre de bom humor, revidando ofensas com pedras celestiais. Você pode imaginar quantas vezes ela foi repreendida pelos Anciãos.
Talvez você não saiba, mas anjos também crescem e amadurecem. E, assim se deu com Angela.  O anjo sapeca era só uma fase e logo deu lugar as responsabilidades. Você deve saber os deveres de um anjo, não? É cuidar de seus protegidos, sussurrar a resposta certa quando duvidamos, nos abençoar quando rezamos e até quando esquecemos.

A vida de um anjo é tão misteriosa para ele quanto para nós. Não nos iludamos ao pensar que eles sabem de tudo; apenas agem de acordo com nossas escolhas – mesmo assim, não deixam sempre de acertar. Deve ser por isso que o traço mais valioso num anjo seja a intuição.
Nada disso foi diferente com Angela. De sua nuvem, ela cuidou muito bem dos seus. E de outros.

É claro que traços do passado nunca desaparecem. De modo que uma vez ajudou uma protegida a vingar-se do ex-namorado. Quando se trata de travessuras, chame Angela.
Tal brincadeira rendeu-lhe um bom puxão de orelhas dos Anciões. “Anjos não devem encorajar esse tipo de atitude!” Grande coisa é a vida sem um pouco de humor.

Se um anjo amadurece, ele também morre. 
Acontece que quando um anjo envelhece, ele se torna um Ancião. A responsabilidade agora aumenta, supervisionando anjos.
Angela tornou-se um Ancião sério. Lembrava-se da juventude com nostalgia. Mas a hora chega para todos.  Até para o Deus, talvez.
Quando Angela foi chamada para uma audiência com o Deus, pensou que finalmente iria descobrir a razão das coisas. Naquele dia, o Deus estava na forma de uma menina indiana, vestida com seu sari cor do tempo – do tempo bom.
“Angela, chegou a hora da sua escolha.” Nada mais precisava ser dito. Angela sabia.

A escolha que o Deus se referia era escolher um humano para salvar. Não era bem uma escolha porque sempre parecia não haver nada para escolher – simplesmente, sabia-se.
Desse modo, Angela passou seus últimos dias procurando seu escolhido. Foi assim que seus olhos encontraram Pedro; um menino com dias de vida encontrando dificuldades com o coração recém-formado.  
Feito sua escolha, Angela deu seu coração a Pedro. Deu o que ele precisava para viver.

O Deus foi ao encontro de Angela, desta vez na forma de um menino africano, vestido de saudade. Disse: É noite. Sabe como nascem as estrelas? Pois saberá, Angela.
O que aconteceu a seguir não pode ser fielmente transcrito em palavras, então desculpe-me por não conseguir fazê-lo direito.
Acontece que todo anjo guarda a luz da esperança dentro de si. É com essa luz que eles conseguem nos conduzir.
Angela fechou os olhos, seu corpo transformou-se em luz – em luz pura, luz divina – envolvendo uma última vez todos aqueles que ela protegera, fazendo-os sorrir aparentemente sem motivos.
Demorou-se um pouco mais com seu escolhido.
“Pedro, tu serás a rocha, serás justo. Tu serás aquele por quem dei a vida. Sentirás teu coração bater e me sentirá pulsar lá dentro.”

E foi assim que a luz procurou um espaço no céu, da onde poderá brilhar e iluminar o caminho, que parece obscuro para nós. Sempre que puder, procure a estrela mais brilhante no céu, e lá estará seu anjo.
Nasce uma estrela. Assim me lembro.

Rio de Janeiro, 8 de Janeiro de 2012


Hm, preciso fazer comentário sobre esse texto?  Quem sabe, sente.
"Assim me lembro" em homenagem á A Ilha sob o mar, de Isabel Allende. Gostei e imitei.

2 comentários:

Adriele disse...

Gostei da forma que contou a história. Bem legal!
A Angela ter ajudado uma garota a se vingar do ex = haha.

Já li em um blog sobre Isabel Allende, falavam que, os livros dela são ótimos. Desde lá, venho querendo ler algo escrito por ela. Mas ainda não tive oportunidade, rs.

Beijos.

Victor Cezar disse...

Bravo, bravo!