julho 30, 2011

Entre Velas

Por Cecília Santana e Julia Lemos


"Num lugar entre o céu e a terra, alcançado apenas por aqueles que ultrapassam os limites da vida, ficava o purgatório. Repleto de homens e mulheres em constante procissão, entoando hinos e esperando a purificação de suas almas, encontra-se Diana, recém-chegada. Em suas mãos, uma vela apagada, aproxima-se de um mulher jovem com a cabeça coberta por um véu.
      - Permita-me, sabe dizer onde estou?
      - Onde estás? Vejo que é nova. Disse docemente - Entre na fila... Espere. Eu acendo sua vela - acrescentou - Estás no purgatório.
      - Então, isso quer dizer que eu morri? Estranho, ainda me sinto tão viva.
      - É normal se sentir assim no início.
      - E como saio daqui?
      - Ah, sair daqui? Isto depende da vontade de Deus e da gravidade de seus pecados. Eu mesmo estou aqui rezando por minha alma desde 1623.
      - Nossa! Mas, estamos no ano de 1750!
      - Aqui, nas portas do céu e do inferno, não existe o tempo como conhecíamos. Vivemos pedindo perdão por nossos pecados e, quando a cera de nossas velas acabar, poderemo descansar em paz.
      - Entendo. Se soubesse que teria esse fim, teria sido mais cuidadosa com minha vida. Neste mundo em que vivemos, onde cismam em idealizar a mulher perfeita e esquecer que somos de carne e osso, fui tola em acreditar em juras de amor. Vou lhe contar como morri: brincava pelos campos, desde muito jovem, colhendo lírios e fazendo coroas das mais belas flores. Foi em uma dessas tardes, correndo pela relva, que vi se aproximar uma carruagem. Dela, saltou um nobre cavalheiro, do tipo forte e respeitoso. Instalou-se na casa de meu tio. Estava sempre me bajulandos. Agradava-me muitíssimo tê-lo por perto. Recitava lindos poemas e fazia juras de amor eterno:
      "Pouco importa, formosa Diana, que fugindo de ouvir-me, o fuso tomes; se quanto mais me afliges, e consome, tanto te adoro mais, bela serrana.", dizia. Lindas palavras, não? Foi com elas que caí em desgraça! Depois de um tempo totalmente apaixonada, fui pedida em casamento. Mas meu pai tinha outros planos para mim. Mesmo com nossa família enriquecendo com rapidez, papai queria um título de nobreza, e planejava me casar com um fidalgo amigo. Dizia que meu amado era um nobre fracassado e falido! Ah, se eu tivesse dado ouvidos à razão! Mas, eu só via o amor, estava cega. Tola... Tola... Tola...
      Combinamos de fugir para nos casar e como ele havia me pedido, roubei todas as jóias de minha mãe e esvaziei o cofre de meu pai. Fugimos e numa pequena igreja nos casamos, juntei-me a ele em matrimônio, diante de Deus. Entreguei-me e senti a felicidade em mim. Pobres de meu pais, perderam a única filha!
      Diana balança os ombros e dá um longo suspiro.
      - Um dia, acordei com suas mãos apertando meu pescoço... Depois de nada mais me lembro, apenas de chegar aqui. E você qual a sua história?
     - Queria eu pode atribuir a culpa de minha morte a meu amado, mas estaria sendo injusta, pois ninguém tem culpa a não ser eu mesma! Ai de mim, que não soube preservar o amor que ele me tinha. Passei minha vida inteira tentando lhe agradar, de tudo fazia por aquele homem, e mesmo assim fui trocada por outra mulher, inglesa para ser mais exata.
     "Largada por quem mais amo, enchi meu coração de amarguras, e dei para maldizer seu nome. Punida devo ser por mais cem anos por ter provocado tal infortúnio! Como pude pensar assim de meu amado? Ele que só merece o mais puro amor e carinho! Cinco longos anos passei sofrendo e rezando para tê-lo de volta, e de nada me adiantou. Foi assim que resolvi partir de minha terra lusitana e ir em busca de seu perdão, mostrar-lhe que meu amor é maior do que qualquer um! Ai de mim! Deveria ter ficado onde estava! Pois foi no navio que me levaria até meu amado que morri afogada, em meu próprio amor, em águas salgadas... Nem consegui olhar em seus olhos, pois uma tempestade levou meu navio ao naufrágio, e com ele todas as minhas esperanças de um dia poder ser feliz  ao seu lado. Assim aguardo o perdão de Deus."
    - Não compreendo como pode se culpar por ter amado demais? Pela razão, o único pecador é ele, que não soube reconhecer seu amor!
   - Não há razão sem Deus, e só ele pode punir os culpados. E se o culpado é meu amado, porque apenas eu fui castigada?
   - Deus nos guia para a verdade, mas a razão quem faz é o homem. De repente morrer não foi castigo, e sim sua salvação. Não há quem diga que Deus escreve certo por linhas tortas?
  - Pode ser possível que o que dizes seja verdade? Estaria eu aqui para me libertar deste amor que me consome?
  Olhando a recém chegada, ela abaixa o véu e diz: - Creio que ainda temos muito tempo para discutir sobre isso. Chamo-me Madalena, e você?
  - Diana. "


Eu realmente gostei de fazer esse trabalho. Me dá um prazer enorme do jeito que Julia e eu conseguimos meio que romancear a proposta da professora Vanusa.
Foi no segundo ano, em 2010, quando estudámos o barroco e o renascimento. A proposta era interligar os dois assuntos, mostrando suas características.
Onde mais isso seria possível se não num purgatório? Um encontro entre duas mulheres, de épocas diferentes. Até o nome delas é caracteristico.
Foi tão divertido escrever Entre velas. Pena que não posso mais fazer nenhum trabalho com a Ju; eles eram tão criativos.
 

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