fevereiro 05, 2012

Sem título e sem final

"A luz piscava. Dentro da sala fazia um calor infernal e o ventilador havia pifado naquela manhã.
- Desligue logo essa luz... Gemeu a Senhora.
As janelas escancaradas por onde não entrava vento algum. Oh, era um começo de tarde de verão. O almoço quase não descera; a criada tivera que fazer duas jarras de suco bem gelados.
- Nana, abra as janelas!
- Já estão abertas, Senhora...
- Abra-as mais!
A negra, apelidada de Nana pelos filhos de sua senhora, levantou-se com todo esforço que sua idade e vida permitiam-lhe. Foi até as janelas e num esforço invisível tentou abrir ainda mais as janelas.
- Não prefere dar um passeio, Senhora? Pode estar mais fresco lá fora.
- Traga-me um copo d’água e iremos.  - Cogitou a mulher.
E lá foram as duas pelas ruas do bairro. Não encontraram muita diferença na temperatura, mas rumaram para o parque, já lotado. Assim, fora extremamente difícil achar um lugar na sombra. A Senhora olhou para todos os cantos e num deles encontrava-se sua comadre.
- Comadre, querida! Que agrado encontrá-la aqui!
- Senhora! Por favor, sente-se ao meu lado, venha...
As duas passaram a conversar sobre trivialidades e como seus filhos iam bem na capital. Eram amigas, porém, não deixavam nunca de contar vantagens.
Comadre também havia levado sua dama de companhia, uma negra muito jovem e bonita, que levava consigo para todos os lugares com medo de que seu marido se aproveitasse da inocência da moça.
- Você sabe, Nana, o que estão dizendo por aí? – falou a criada da outra num sussurro – Que ele voltou. Voltou do mundo dos mortos...
- O que você anda cochichando aí, Zezé? – exclamou Comadre – Contando suas histórias outra vez? Sabe muito bem que pode ser castigada!
As duas senhoras começaram a conversar calorosamente sobre como suas criadas eram mal educadas; Zezé, no entanto, continuou, agora numa voz que sumia dentre as exclamações da Senhora e sua Comadre.
- Eles dizem que foi na lua cheia, Nana.  Saiu andando da praça como se o sangue tivesse voltado a correr. – Os olhos de Nana brilhavam – Viram-no andando pelas ruas, entoando a música da liberdade! Dizem que ele vem por todos nós.
Nana riu alto de felicidade.
- Nana! Sabe como eu odeio quando ri dessa maneira! – disse de repente a Senhora – Venha, vamos embora, o Senhor já deve ter chegado. Adeus, Comadre. E você? Você merecia um castigo... – completou para a negra.

Ninguém poderia impedir ou roubar a esperança que cresceu em Nana.
Era uma felicidade estranha, mas não inédita. Ela uma vez a sentira por muito pouco tempo. Sentiu quando o conheceu. Sabia de seus mistérios, de sua mágica. Mas era o perigo que emancipava Nana. E foi ele que a deixou ainda mais presa. Presa nas lembranças, nas armas da saudade, no que poderia ter sido. Na doce possibilidade de uma história verdadeira, vivida. Nana já não era tão jovem, mas ele a devolvera para a vida, nem que fosse por momentos; aqueles roubados da noite calada.
Não era difícil para a Senhora perceber a felicidade no rosto de sua criada. Afinal, aprendera a interpretar seus rostos, como uma boa esposa. Se tivesse lido no rosto a fuga, deveria contar ao marido. Porém, agora lia outra coisa – um rosto que só vira uma vez antes.
– O que aconteceu, Nana? O que foi que aquela negra lhe disse?
Nana, que achava que devia obediência à Senhora, se aproximou e disse baixinho: Ele voltou. Foi o que ela disse, ele voltou.
Ele? E, de repente, como se a sombra do esquecimento dissipasse de seus olhos, a Senhora compreendeu. Ele! Ele, que queria roubar sua melhor escrava. Ele, que queria libertar; que queria levar sua família à miséria.
– Não se brinca com essas coisas, Nana. Pare agora!
– Não é brincadeira, Senhora. Agora eu sei, ele vai voltar...
– Cale-se antes que lhe castigue! Vá preparar o jantar!
Oh, sim, Nana preparou um de seus últimos jantares para a família. Não menos saboroso, porém com um tempero a mais, o da liberdade. Saboreie a cada garfada.

Naquela noite quente fora muito difícil dormir para a Senhora. Primeiro, o medo de um morto voltar para assombrar a casa era muito maior que o medo de um de seus filhos se casarem com qualquer uma no Rio de Janeiro. Segundo, esse medo fez a Senhora mandar trancar todas as janelas e portas, abafando a casa.
Apesar de dominada pelo medo, a Senhora ainda era muito inquieta sobre os assuntos da casa, de modo que se levantou para averiguar se Nana encontrava-se onde devia estar: dormindo no quarto dos fundos."

Desculpe-me pelo sumiço. Estava me ocupando com outras coisas (formatura, churrasco, faculdade, colégio, entre outros). Agora eu sou bacharel em ciências e letras pelo Colégio Pedro II - embora ainda ache que esse título não sirva para nada. Fiz minha inscrição na UFF e começo apenas no segundo semestre, ou seja, ainda tenho muito tempo livre ou não.
Sim, eu poderia ter escrito um pouco mais sobre esse conto, mas não quis. Ou pelo menos ter dado um título.
Qual vocês sugerem?
Não sei se vocês perceberam, mas os brancos não tem nome...

Um comentário:

Victor Cezar disse...

Sentimos a sua falta!