Vitor Vilain nasceu muito
amado. Porém, seus pais logo descobriram que amor não era suficiente para
educar um homem direito. Era preciso muito mais e nenhum esforço foi negado.
Infelizmente, para toda bondade no mundo, Vitor nascera mau. Não dividia seus
brinquedos, não tinha babá por mais de uma semana, não comia por birra e comia
para chantagear.
Aos oito anos percebeu que seu
bem mais precioso não era seu boneco e sim, sua mãe: é que Vitor ganhara um
irmão. E a ideia de partilhar sua única fonte de ternura pareceu-lhe ridícula.
Vitor Vilain sabotava o leite, as roupas, os brinquedos, a comida. Até que
chegou ao extremo de quase afogar seu irmão no banho.
Foi só aí que seus pais
aceitaram a essência de seu primogênito. Não havia outra solução se não separar
os dois filhos e, assim, foram separados os pais.
Sua devota mãe parecia ser a
única a escapar de sua maldade. Assim seguiu por toda sua vida.
Na adolescência, foi temido. E
graças ao seu poder de manipulação, o queridinho dos professores. Tudo parecia
funcionar perfeitamente. Até que Elza entrou em sua vida para se transformar em
objeto de adoração. Mas, é claro, Vitor nunca ia admitir sua fascinação por
alguém; disfarçando-a com a indiferença e perseguindo Elza sempre que podia e
por mais que sua mãe implorasse para deixa-la em paz, ele apenas não
conseguia.
Elza era mais nova e estava na
mesma turma que o irmão de Vitor. E parecia que todo o destino dos dois era
ficarem juntos. Apaixonaram-se.
Imaginem a surpresa de Vitor
ao descobrir que Elza se casaria com seu irmão! Vitor ficou inconformado – mais
uma vez seu irmão iria roubá-lo.
Oh, não.
Vitor sequestrou Elza no dia
de seu casamento. Levou-a para a Marina da Glória e ameaçou se jogar no mar sem
fim. Fê-la entrar numa lancha e ameaçou deixa-los a deriva por toda a
eternidade.
A eternidade durou até a
guarda costeira chegar e Vitor se levado em custódia. É uma lástima – nesses casos
– que coração de mãe seja misericordioso. Senhora Vilain ajudou seu filho a
fugir e, embora parecesse preocupada com o destino de Vitor, sentiu-se
aliviada.
Estranhamente, apesar de toda
raiva, Vitor sentiu algo novo: alívio também. Liberdade. A partir daquele
momento surgiria outro Vitor Vilain: livre de todo passado e um futuro novo
para ser escrito como todos os tipos de falcatruas e mau-caratismo que sua alma
poderia inventar.
Não era mais Vitor. Então,
quem seria? Augusto. Não. João. Não. Precisaria de um nome forte, imponente,
que falasse sem necessitar falar. Um nome que o vento carregaria o medo sem
esforço. Primeiro, um nome e depois mudaria o modo de ser, de andar e falar.
Qual nome? Sim, procuraria nesses livros empoeirados. Lestat, o vampiro. Sim. O
Vampiro que sugaria sua vida. Talvez um sobrenome? Não, seria apenas um nome.
Um nome para confundi-los. Um nome para comanda-los e um nome para arruiná-los.
Conhecia os desejos mais
profundos de qualquer homem. Talvez devesse ser agiota, negociar falsas obras
de arte, fazer serviços de limpeza. Talvez! Mas, precisava começar por algum
ponto, precisa levantar capital...
Oh, sim! Montou um esquema
falso de prestação de serviços, onde seu alvo principal eram idosos em busca de
diversão em viagens. Usou todo o seu poder e seu melhor terno e antes que
percebessem estava a quilômetros e quilômetros de distância.
Ele infiltrou-se em casas de apostas, casas de
leilão. Ganhou confiança e em pouco tempo já havia uma pequena teia sob seu
comando, de modo que precisou montar negócios de fachada para lavar seu
dinheiro. Nada parecia impossível para Vitor, digo, Lestat. Deitava sua cabeça
no travesseiro, leve como uma pena, e sorria para a sua sorte e para o azar de
quem cruzava seu caminho.
Passaram-se anos, construíra
um império, derrotara inimigos e criara um novo passado. Casou por negócios e
com separação de bens – achava que a esposa iria envenená-lo e a mantinha
longe. Vivia num mundo particular e livre de toda lembrança de seu verdadeiro
passado. Aquele passado repressor, cinzento. Não, para que lembraria se seu
presente era muito mais sedutor e seu futuro muito mais desafiador. Assim ia
vivendo.
Até que foi impossível ignorar
o sucesso de seu irmão mais novo, empresário do ramo da construção civil, que
vinha assinando contratos com o governo e ganhando as páginas dos jornais e
alguns milhões. Vitor passou a mantê-lo dentro de seu radar. Ele soube da morte
de Elza, e, anos depois, que seu irmão havia morrido num acidente de
helicóptero. Vitor viu uma oportunidade: o irmão deixava uma filha menor de
idade e alguns bilhões. Ele sabia, também, ser o único parente vivo de sua
sobrinha.
Depois de muito pensar, Vitor
decidiu fazer contato com o advogado do irmão. Podia ser perigoso, mas ele tinha
um plano: pobre Vitor incompreendido e muito jovem para ser sensato. Não tivera
tempo de fazer as pazes com o irmão, faltara-lhe coragem, coragem e agora não
havia mais tempo. E, tinha a sobrinha, tão sozinha sem pai, sem mãe, sem a adorável
Elza. Deixe-me cuidar da menina. Serei seu guardião até a maioridade. Seu
dinheiro será bem administrado. Qual é mesmo o nome dela? Julia, Julia. Julia
viverá bem em minha casa – também possuo modestas economias...
No final, fora muito fácil
para Vitor. Em poucos dias, Julia estava morando em sua casa. A menina parecia
ingênua e livrar-se dela seria algo simples. Em poucos meses, cansou-se de
olhar para aquele rosto que tanto lembrava Elza. Mandou Julia para o colégio
interno, bem longe para que ela voltasse só em ocasiões especiais e férias.
Julia cresceu e já não parecia
tão ingênua assim. O tempo esgotava-se. Julia precisava ter um fim. Razões para
isso? Todas e nenhuma. Certas coisas apenas precisam ser feitas. E quando se
trata de por um fim, Vitor era um especialista. Armou um plano que julgava
infalível: Julia seria alvo de um assalto seguido de morte.
Esperou ansiosamente pelo
grande dia. Sentou-se em sua poltrona, bebericou seu uísque e esperou, esperou
no silêncio que o telefone tocasse. As horas passavam e a sensação de que
alguma coisa havia dado errado impregnava sua mente. O que fazer? Esperar ou
agir.
Não houve tempo para espera e
nem para ação porque na porta estava Julia.
Julia que deveria estar morta.
Julia que permanecia viva.
“Você tentou me matar. Nunca
acreditei em você.”
“Não deveria mesmo.”
E agora, Vitor?
Sim. A droga que guardava na
gaveta. Depois esconderia o corpo e a incompreendida e órfã Julia desapareceria
no mundo em busca da felicidade; esses jovens podem fazer qualquer coisa. A droga já estava na seringa. Era uma das
centenas de precauções que Vitor espalhara pela casa, caso algo desse errado em
seu negócio. A droga deveria paralisar a vitima e numa dose maior até matar.
Vitor possuía o suficiente para paralisar e depois teria que encontrar outro
meio para acabar com Julia.
“Você está acabado, Vitor.”
“Não, minha querida.”
Calmamente, Vitor aproximava-se
de Julia enquanto ela falava de como se salvara de seu agressor. Fora fácil.
Havia muitas coisas que seu tio não sabia sobre ela, como as aulas de defesa
pessoal, que frequentava há três anos. Desse jeito, fora fácil e perigoso
nocautear o agressor e fugir. A verdade era que desconfiava do tio há muito
tempo e os últimos dias tinham sido cruciais para descobrir os planos de Vitor.
Talvez ele realmente tenha
sido descuidado com suas emoções e subestimando a capacidade de observação da
sobrinha. Porém, isso já não importava mais.
Distraída, Julia não percebeu
o tio que se aproximava e sem notar a seringa, baixou a guarda apenas para
sentir a seringa em seu pescoço, fazendo-a perder o equilíbrio e cair no chão,
tonta.
Julia, Julia, Julia.
Todos sabem agora que Julia
era mais esperta do que imaginávamos. Vitor, achando-se vitorioso, deu as
costas para ela somente para sentir que algo esmagava sua cabeça e o barulho de
algo quebrando enchesse seus ouvidos.
Era o cérebro de Vitor
morrendo pelas mãos de Julia, segundos para pensar que este não era o fim.
E, não era o fim.
Voltou a vida em forma de
barata.
Sendo barata via o mundo sobre
outra perspectiva. Era um animal solitário, desconhecedor de sua insolência.
Viveu pouco até um pé esmagar seu corpo.
Outra vez. Outra vez seu
sistema nervoso morrendo. Outra vez o mesmo barulho enchendo seus sentidos.
Outra vez morto.
Outra vez a morte para Vitor
Vilain. Esmagado, esmagado, sem poder interferir na sua morte, sem poder mudar
a onomatopeia que entupia os ouvidos.
Escrito por Cecília Santana
Rio de Janeiro, 13 de novembro de 2012
Comecei a escrever esse conto no final da novela Fina Estampa. É. Já faz um tempinho. Obriguei-me a termina-lo hoje. A ideia do conto foi que o mau se desse mal no final. Sempre. Não há muitos detalhes, nem muitas falas e mesmo assim a história ficou longa.
Se tem uma coisa que eu amo é o processo da escrita: na sua cabeça é de um jeito, no papel de outro e no computador, para a versão final, sempre há outras mudanças.
Espero que gostem.
3 comentários:
Gostei! Só fiquei imaginando como deve ser a onomatopeia da morte... acho que isso a gente só descobrirá no momento da nossa. rs
Olá Ceci! Gostei muito do seu conto. Super bem escritinho e a trama apesar de um pouco triste, ficou bem costurada. Ah...com certeza a mente passa por várias mudanças durante a escrita e isso é demais, né?
Bom feriadão para ti.
Beijos.
Paloma Viricio-Jornalismo na Alma
Acabo de escrever sobre Adolf Hitler e, a julgar pela personalidade deste e daquele Vitor, ambos não medem esforços, por assim dizer.
Abraços.
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