novembro 13, 2012

a onomatopeia da morte


Vitor Vilain nasceu muito amado. Porém, seus pais logo descobriram que amor não era suficiente para educar um homem direito. Era preciso muito mais e nenhum esforço foi negado. Infelizmente, para toda bondade no mundo, Vitor nascera mau. Não dividia seus brinquedos, não tinha babá por mais de uma semana, não comia por birra e comia para chantagear.
Aos oito anos percebeu que seu bem mais precioso não era seu boneco e sim, sua mãe: é que Vitor ganhara um irmão. E a ideia de partilhar sua única fonte de ternura pareceu-lhe ridícula. Vitor Vilain sabotava o leite, as roupas, os brinquedos, a comida. Até que chegou ao extremo de quase afogar seu irmão no banho.
Foi só aí que seus pais aceitaram a essência de seu primogênito. Não havia outra solução se não separar os dois filhos e, assim, foram separados os pais.
Sua devota mãe parecia ser a única a escapar de sua maldade. Assim seguiu por toda sua vida.
Na adolescência, foi temido. E graças ao seu poder de manipulação, o queridinho dos professores. Tudo parecia funcionar perfeitamente. Até que Elza entrou em sua vida para se transformar em objeto de adoração. Mas, é claro, Vitor nunca ia admitir sua fascinação por alguém; disfarçando-a com a indiferença e perseguindo Elza sempre que podia e por mais que sua mãe implorasse para deixa-la em paz, ele apenas não conseguia. 
Elza era mais nova e estava na mesma turma que o irmão de Vitor. E parecia que todo o destino dos dois era ficarem juntos. Apaixonaram-se.
Imaginem a surpresa de Vitor ao descobrir que Elza se casaria com seu irmão! Vitor ficou inconformado – mais uma vez seu irmão iria roubá-lo.
Oh, não.
Vitor sequestrou Elza no dia de seu casamento. Levou-a para a Marina da Glória e ameaçou se jogar no mar sem fim. Fê-la entrar numa lancha e ameaçou deixa-los a deriva por toda a eternidade. 
A eternidade durou até a guarda costeira chegar e Vitor se levado em custódia. É uma lástima – nesses casos – que coração de mãe seja misericordioso. Senhora Vilain ajudou seu filho a fugir e, embora parecesse preocupada com o destino de Vitor, sentiu-se aliviada.
Estranhamente, apesar de toda raiva, Vitor sentiu algo novo: alívio também. Liberdade. A partir daquele momento surgiria outro Vitor Vilain: livre de todo passado e um futuro novo para ser escrito como todos os tipos de falcatruas e mau-caratismo que sua alma poderia inventar.
Não era mais Vitor. Então, quem seria? Augusto. Não. João. Não. Precisaria de um nome forte, imponente, que falasse sem necessitar falar. Um nome que o vento carregaria o medo sem esforço. Primeiro, um nome e depois mudaria o modo de ser, de andar e falar. Qual nome? Sim, procuraria nesses livros empoeirados. Lestat, o vampiro. Sim. O Vampiro que sugaria sua vida. Talvez um sobrenome? Não, seria apenas um nome. Um nome para confundi-los. Um nome para comanda-los e um nome para arruiná-los.
Conhecia os desejos mais profundos de qualquer homem. Talvez devesse ser agiota, negociar falsas obras de arte, fazer serviços de limpeza. Talvez! Mas, precisava começar por algum ponto, precisa levantar capital...
Oh, sim! Montou um esquema falso de prestação de serviços, onde seu alvo principal eram idosos em busca de diversão em viagens. Usou todo o seu poder e seu melhor terno e antes que percebessem estava a quilômetros e quilômetros de distância.
 Ele infiltrou-se em casas de apostas, casas de leilão. Ganhou confiança e em pouco tempo já havia uma pequena teia sob seu comando, de modo que precisou montar negócios de fachada para lavar seu dinheiro. Nada parecia impossível para Vitor, digo, Lestat. Deitava sua cabeça no travesseiro, leve como uma pena, e sorria para a sua sorte e para o azar de quem cruzava seu caminho.

Passaram-se anos, construíra um império, derrotara inimigos e criara um novo passado. Casou por negócios e com separação de bens – achava que a esposa iria envenená-lo e a mantinha longe. Vivia num mundo particular e livre de toda lembrança de seu verdadeiro passado. Aquele passado repressor, cinzento. Não, para que lembraria se seu presente era muito mais sedutor e seu futuro muito mais desafiador. Assim ia vivendo.  
Até que foi impossível ignorar o sucesso de seu irmão mais novo, empresário do ramo da construção civil, que vinha assinando contratos com o governo e ganhando as páginas dos jornais e alguns milhões. Vitor passou a mantê-lo dentro de seu radar. Ele soube da morte de Elza, e, anos depois, que seu irmão havia morrido num acidente de helicóptero. Vitor viu uma oportunidade: o irmão deixava uma filha menor de idade e alguns bilhões. Ele sabia, também, ser o único parente vivo de sua sobrinha.
Depois de muito pensar, Vitor decidiu fazer contato com o advogado do irmão. Podia ser perigoso, mas ele tinha um plano: pobre Vitor incompreendido e muito jovem para ser sensato. Não tivera tempo de fazer as pazes com o irmão, faltara-lhe coragem, coragem e agora não havia mais tempo. E, tinha a sobrinha, tão sozinha sem pai, sem mãe, sem a adorável Elza. Deixe-me cuidar da menina. Serei seu guardião até a maioridade. Seu dinheiro será bem administrado. Qual é mesmo o nome dela? Julia, Julia. Julia viverá bem em minha casa – também possuo modestas economias...
No final, fora muito fácil para Vitor. Em poucos dias, Julia estava morando em sua casa. A menina parecia ingênua e livrar-se dela seria algo simples. Em poucos meses, cansou-se de olhar para aquele rosto que tanto lembrava Elza. Mandou Julia para o colégio interno, bem longe para que ela voltasse só em ocasiões especiais e férias.
Julia cresceu e já não parecia tão ingênua assim. O tempo esgotava-se. Julia precisava ter um fim. Razões para isso? Todas e nenhuma. Certas coisas apenas precisam ser feitas. E quando se trata de por um fim, Vitor era um especialista. Armou um plano que julgava infalível: Julia seria alvo de um assalto seguido de morte.
Esperou ansiosamente pelo grande dia. Sentou-se em sua poltrona, bebericou seu uísque e esperou, esperou no silêncio que o telefone tocasse. As horas passavam e a sensação de que alguma coisa havia dado errado impregnava sua mente. O que fazer? Esperar ou agir.
Não houve tempo para espera e nem para ação porque na porta estava Julia.
Julia que deveria estar morta. Julia que permanecia viva.
“Você tentou me matar. Nunca acreditei em você.”
“Não deveria mesmo.”
E agora, Vitor?
Sim. A droga que guardava na gaveta. Depois esconderia o corpo e a incompreendida e órfã Julia desapareceria no mundo em busca da felicidade; esses jovens podem fazer qualquer coisa.  A droga já estava na seringa. Era uma das centenas de precauções que Vitor espalhara pela casa, caso algo desse errado em seu negócio. A droga deveria paralisar a vitima e numa dose maior até matar. Vitor possuía o suficiente para paralisar e depois teria que encontrar outro meio para acabar com Julia.
“Você está acabado, Vitor.”
“Não, minha querida.”
Calmamente, Vitor aproximava-se de Julia enquanto ela falava de como se salvara de seu agressor. Fora fácil. Havia muitas coisas que seu tio não sabia sobre ela, como as aulas de defesa pessoal, que frequentava há três anos. Desse jeito, fora fácil e perigoso nocautear o agressor e fugir. A verdade era que desconfiava do tio há muito tempo e os últimos dias tinham sido cruciais para descobrir os planos de Vitor.
Talvez ele realmente tenha sido descuidado com suas emoções e subestimando a capacidade de observação da sobrinha. Porém, isso já não importava mais. 
Distraída, Julia não percebeu o tio que se aproximava e sem notar a seringa, baixou a guarda apenas para sentir a seringa em seu pescoço, fazendo-a perder o equilíbrio e cair no chão, tonta.
Julia, Julia, Julia.
Todos sabem agora que Julia era mais esperta do que imaginávamos. Vitor, achando-se vitorioso, deu as costas para ela somente para sentir que algo esmagava sua cabeça e o barulho de algo quebrando enchesse seus ouvidos.
Era o cérebro de Vitor morrendo pelas mãos de Julia, segundos para pensar que este não era o fim.
 E, não era o fim.
Voltou a vida em forma de barata.
Sendo barata via o mundo sobre outra perspectiva. Era um animal solitário, desconhecedor de sua insolência. Viveu pouco até um pé esmagar seu corpo.
Outra vez. Outra vez seu sistema nervoso morrendo. Outra vez o mesmo barulho enchendo seus sentidos. Outra vez morto.
Outra vez a morte para Vitor Vilain. Esmagado, esmagado, sem poder interferir na sua morte, sem poder mudar a onomatopeia que entupia os ouvidos.
Escrito por Cecília Santana
Rio de Janeiro, 13 de novembro de 2012 

Comecei a escrever esse conto no final da novela Fina Estampa. É. Já faz um tempinho. Obriguei-me a termina-lo hoje. A ideia do conto foi que o mau se desse mal no final. Sempre. Não há muitos detalhes, nem muitas falas e mesmo assim a história ficou longa. 
Se tem uma coisa que eu amo é o processo da escrita: na sua cabeça é de um jeito, no papel de outro e no computador, para a versão final, sempre há outras mudanças.  
Espero que gostem. 

3 comentários:

João Gabriel disse...

Gostei! Só fiquei imaginando como deve ser a onomatopeia da morte... acho que isso a gente só descobrirá no momento da nossa. rs

Paloma Viricio disse...

Olá Ceci! Gostei muito do seu conto. Super bem escritinho e a trama apesar de um pouco triste, ficou bem costurada. Ah...com certeza a mente passa por várias mudanças durante a escrita e isso é demais, né?

Bom feriadão para ti.
Beijos.
Paloma Viricio-Jornalismo na Alma

Nina disse...

Acabo de escrever sobre Adolf Hitler e, a julgar pela personalidade deste e daquele Vitor, ambos não medem esforços, por assim dizer.
Abraços.